A SIC exibiu uma reportagem para aferir as diferenças entre os hábitos, regalias e outras nuances entre a classe política portuguesa e dinamarquesa. Como seria de esperar, as diferenças são abissais.
Não contesto o teor da reportagem da SIC e reconheço o interesse informativo e jornalístico da questão. É também um papel da comunicação social dar a conhecer a realidade de outros países e, se o fizer de forma comparada, o impacto mediático é sempre maior.
Mesmo antes de ver a reportagem em apreço, há coisas que já deveríamos saber que distinguem Portugal e a Dinamarca.
A Dinamarca tem metade da área e da população portuguesa, tem mais 13 anos de União Europeia que Portugal, está fora da Eurozona, tem um PIB per capita superior em 60%, rege-se por uma monarquia constitucional e, mais importante que tudo, a mentalidade, a cultura e o civismo é completamente distinta da realidade portuguesa.
Mais que quaisquer dados estatísticos, demográficos ou de outro cariz, a questão mais importante é a da mentalidade, do civismo, da cultura.
Assim, não basta comparar os excelentes exemplos dos políticos dinamarqueses com a maioria das tristes realidades da classe política portuguesa.
Para aferir as reais diferenças seria necessário uma segunda reportagem onde se mostrasse as diferenças entre alguns comuns mortais portugueses e dinamarqueses.
Nessa altura poderíamos verificar que os dinamarqueses orgulham-se de ser um dos países do mundo, sim do mundo, onde os níveis de corrupção são mais baixos.
Concluíamos que o cidadão normal dinamarquês não promove a fuga fiscal; Não pensa, porque não compensa, reformar-se antes dos 67 anos; Tem uma consciência ambiental muito acima da média europeia; Respeita as regras e as leis a que está sujeito; Promove a meritocracia em detrimento da política de antiguidade e direitos adquiridos; Tem tanto de informal nas relações sociais como de responsabilidade, responsabilização e brio profissional; É respeitador dos horários entre muitas outras características típicas dos povos do norte da Europa.
Não quero dizer com isto que o português é só defeitos; longe disso. Temos, e de que muito me orgulho, muitas qualidades e pessoas com muito para dar ao país, para o modernizar, para poder contribuir para uma mudança de mentalidade que nos torne num país melhor, mais justo, mais equilibrado.
Apenas escrevo estas linhas para enfatizar a necessidade de comparar, não só a classe que governa, mas também a classe dos governados, para podermos apontar, acusar, seguir, rejeitar ou seja o que for, os exemplos vindos do exterior. Um país não é apenas um telhado político que alberga o restante edifício; é toda uma estrutura de tijolos que suporta esse telhado, fundada nos alicerces de uma cultura, de uma vivência de séculos, de uma identidade nacional. E quanto mais fortes, sérios, justos e cumpridores sejam os tijolos, mais poderemos esperar daqueles que estão no telhado.
Costuma-se dizer que "os exemplos vêm de cima", mas eu prefiro dizer que de "pequenino se torce o pepino" ou mesmo "o que se aprende no berço, dura até à sepultura". Ou, citando a própria peça da SIC "esquecemo-nos, com frequência, que, em democracia, os eleitos são o reflexo daqueles que os elegem."